sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Entrevista exclusiva com Marcelle Chauvet

Contamos aqui um pouco sobre a carreira e a vida da macroeconomista brasileira Marcelle Chauvet, chefe do Departamento de Estudo Latino-Americanos da Universidade da Califórnia. Ela é responsável por um dos modelos estatísticos que o Federal Reserve (FED), o banco central dos Estados Unidos, usa para prever ciclos de recessão econômica no país.

Com uma carreira profissional de sucesso que anda em perfeito equilíbrio com o seu lado mulher, mãe, filha e esposa, o Só Para Mulheres a convidou para responder algumas perguntas sobre sua profissão e vida pessoal.

Leia abaixo a entrevista exclusiva com Marcelle!

Marcelle com seu aluno doutorando 
I) Quais os motivos que fizeram despertar seu interesse por uma carreira ligada à área financeira?

Finanças é uma ciência que não pode estar dissociada da realidade do mercado por muito tempo, como algumas áreas das ciências econômicas podem e têm estado.  Em finanças, teorias são mais comprometidas com a realidade - as que não funcionam são abandonadas mais rapidamente. A combinação de teoria aplicada a questões prática me fascina.
 
II) No ambiente profissional em que você atua, é comum nos depararmos com outras mulheres bem sucedidas?

Sim, há muitas mulheres bem sucedidas. Não é uma questão de gênero, mas de escolha de  estilo de vida que talvez seja menos difícil de seguir quando se é solteiro (ou quando se tem alguém para cuidar dos filhos).  O trabalho na área financeira oferece uma compensação monetária alta, mas o custo é a falta de tempo para curtir mais a família. Algumas mulheres – e alguns homens – depois de algum tempo e acúmulo monetário decidem mudar de ramo para passar mais tempo com a família.

III) Qual sua preferência: trabalhar com homens ou mulheres? Quais as principais diferenças de perfil que você percebe no dia-a-dia?

Homens ou mulheres podem ser ótimos ou péssimos colegas de trabalho.  Prefiro trabalhar com pessoas íntegras, genuínas, sejam elas homens ou mulheres.

Há uma certa diferença de perfil, em alguns casos. Em geral, mulheres precisam trabalhar o dobro para ter o mesmo reconhecimento que um homem. Na média, então, as mulheres bem sucedidas são mais dedicadas e mais dispostas ao trabalho sem medir tanto esforço. Mas isso é na média, claro. Isso leva mulheres a serem mais sobrecarregadas, já que são mais relutantes a dizer não. Homens na mesma posição são bem mais egoístas com o seu tempo, esforço e com o quanto estão dispostos a trabalhar pelo dinheiro oferecido.

IV) Já passou por alguma situação de preconceito e/ou discriminação por atuar em um mercado predominantemente masculino?

Nada escancarado. Talvez em um primeiro momento,  mas depois o que importa é mesmo a qualidade do trabalho.  Eu sinto que no Brasil a mulher é mais respeitada do que nos EUA -- não que nos EUA mulher não seja respeitada, mas sinto que no Brasil o respeito é maior. Isso porque nosso sistema de trabalho no Brasil é mais baseado em mérito não viesado, a começar pelo vestibular. Além disso, muitos trabalhos requerem concursos. Então, homens e mulheres têm as mesmas chances nesses casos e a mulheres estão com presença marcante em pontos chaves da economia.

Aqui nos EUA estudos recentes mostram que as mulheres estão indo bem melhor que os homens no mercado de trabalho, principalmente depois dessa última recessão. Veja o artigo de David Autor (MIT)  e apresentação no AEA meeting 2011

Diversão em família
V) Como você encara o atual momento da economia Brasileira e Mundial?

Estamos passando por um momento delicado, de muito receio e pessimismo. São vários problemas ao mesmo tempo como a recuperação bem lenta da economia americana, as negociações com relação às dívidas européia e americana, etc.

Porém, o meu modelo de previsão indica que até o momento (agosto de 2011 com dados disponíveis até maio de 2011) esses receios estão em descompasso com os dados econômicos. A probabilidade de recessão nos EUA em maio de 2011 é de somente 22%. Simulei o modelo para junho e a probabilidade de recessão para esse mês está em torno do mesmo número. Os dados de julho não são negativos, pelo contrário, os números de emprego nos EUA foram melhores do que o esperado e houve crescimento da produção industrial. A menos que haja uma catástrofe no setor manufatureiro (o que é improvável), dado este ainda por ser lançado, a probabilidade de recessão deve continuar como está ou até abaixar.

Agora temos que torcer para que o pânico não leve a um profecia que se concretize (self-fulfilling prophecy). Para mais detalhes, veja os números e gráficos neste e neste link.  

VI) Como é conciliar a vida de hipereconomista, com o seu lado mãe, esposa e mulher? Quem administra as finanças da sua família?

Meu filho é minha prioridade. O meu trabalho permite que eu faça pesquisa de casa. Então posso passar bastante tempo com ele (mesmo que ele esteja com a babá enquanto eu trabalho, ele sabe que é só precisar que estou ali). Meu marido e eu administramos as finanças da casa juntos. Tudo meio a meio.

VII) Você já perdeu o controle na hora de ir às compras ou mesmo se complicou com dívidas no cartão de crédito?

Eu sempre gostei de poupar mais do que gastar.  Poupança e dinheiro atraem dinheiro, e dívidas atraem dívidas. Fico muito mais feliz no final do mês sabendo que poupei/investi do que com o quanto gastei. Sempre pago os meus cartões de crédito na totalidade. Não tenho dívidas, nunca tive. 

VIII) O que você diria para as mulheres que ainda têm receio de competir por cargos normalmente ocupados por homens?

Mãe e Filho
Primeiramente, não há porque ter receio! Fui criada com três irmãos homens e seus amigos eram meus amigos. Para mim é natural estar entre homens. Mas independente disso, mulheres devem ir atrás do que gostam de fazer, de enfrentar desafios, sejam lá quais forem, e em quaisquer áreas que escolherem. Tenho admiração por mulheres que vão à luta, sem ligar se as profissões escolhidas são predominantemente feminas ou masculinas. Isso não importa e importará cada vez menos com o passar dos anos. As gerações mais novas estão cada vez menos ligadas aos papéis tradicionais da mulher. Mulheres querem tanto quanto os homens obter um diploma de curso superior e fazer o que gostam.  A cultura de concursos ajuda, uma vez que abre as portas para qualquer um que seja competente. E, no fim do dia, o que importa para uma empresa é a qualidade do trabalho realizado. Mulheres terão o reconhecimento e sucesso se houver empenho.

O Só Para Mulheres agradece à Marcelle por ter aceitado nosso convite prontamente! Muito obrigada!

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